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‘Nosso herói’, diz filha de homem que pedala 28 km por semana para que ela e os irmãos estudem mesmo sem internet

Desde o início da pandemia, o roçador Edemilson Wielgosz sai de de Guaratuba (PR) e vai até Garuva (SC) para buscar tarefas preparadas pelo colégio. Professor diz que a família é ‘exemplo de dedicação’.

Nicole Wielgosz já sabe bem que para conquistar um sonho é preciso lutar muito. Mesmo com uma uma vida cheia de dificuldades, aos 12 anos ela vê o pai correr riscos – para ele, necessários – para que ela e os irmãos continuem tendo acesso à educação.

A família mora em um sítio às margens da BR-376, em Guaratuba, no litoral do Paraná.

Em cima de uma bicicleta, o roçador Edemilson vai até Garuva (SC), município vizinho, todas as terças-feiras para buscar materiais e tarefas para que eles estudem em casa, durante a pandemia do novo coronavírus. O trajeto de ida e volta soma 28 km.

“É duro. Muito ruim ficar longe dos professores e das amigas. A gente não tem para quem perguntar quando tem dúvida, né. Mas o pai faz o que pode. Eu gosto muito dele porque ele é legal, é o nosso herói”, disse a menina.
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Nicole conta que apesar de reconhecer o sacrifício do pai em tentar manter os filhos atualizados dos conteúdos, ela tem receio toda vez que ele sai de casa para fazer o trajeto até o outro estado.

“Dá medo porque é estrada e é longe daqui. Tem carro, caminhão, passando do lado dele. Acontece isso [o medo] porque a gente só tem ele para cuidar de nós”, comentou a filha.

Luta por dignidade
Edemilson, de 47 anos, estudou até a 4ª série e, segundo ele, não quer o mesmo futuro para os filhos.

Além de Nicole, ele cria e cuida, sozinho, de Wellinton, de 16 anos, Amabili, de 14. Outra filha mais velha se casou e não mora mais com eles.

Ao G1, Edemilson afirma que luta para dar dignidade a eles e que desistir não é e nunca foi uma opção.

“É arriscado, mas é o jeito. Eu mal tenho condições de colocar um prato cheio na mesa, quem dirá um computador e internet. Não é feio passar aperto, feio é não tentar mudar e fazer o melhor que pode. Vou quantas vezes precisar e até mais longe. Meu amor por eles me move”, pontuou.

O pai trabalha há 18 anos em uma pousada mas, devido à pandemia, o local não paga o salário há mais de três meses, segundo ele. A família Wielgosz sobrevive com ajuda de cestas básicas e doações.

Desafio do ensino à distância
Morando em uma casa às margens da rodovia, a família raramente consegue sinal de telefonia. Edemilson aproveita para fazer ligações, quando precisa, no trabalho, e os filhos se arriscam caminhando pela rodovia até encontrarem algum sinal para o celular.

Conforme o pai, algumas vezes, quando a tarefa exige algum tipo de pesquisa, um dos filhos vai até a região que tem sinal de telefonia, faz capturas de tela do celular com o conteúdo e volta para terminar em casa.

“Eu vou ser sincera, eu acho muito ruim toda essa situação. Eu não entendo muito da matéria assim, faz falta uma aula normal, um professor. Eu só tenho agradecimento ao meu pai pelo esforço, mas bom mesmo seria ter internet em casa ou voltar às aulas mesmo”, relatou a filha Amabili.

O professor Nilton Schorr dá aulas de geografia para os três filhos de Edemilson há uns seis anos.

Ele conta que os adolescentes sempre se mantiveram firmes nos estudos, apesar das dificuldades financeiras e de distância do colégio.

“A família toda é um exemplo de dedicação. Agora, com a potencialização do problema com a pandemia, eles demonstraram ainda mais garra. Todos poderiam simplesmente desistir, mas não. Tudo isso graças ao esforço do pai, a criação humilde e correta”, disse.
Nilton afirmou que sonha em ver eles conquistando os sonhos e conseguindo melhorar de vida.

“Estudando em casa, eles têm essa dificuldade de comunicação. Ele [Edemilson] faz papel de pai e mãe. O trajeto que ele faz toda semana é um perigo, complicado. A gente admira o esforço porque tem gente que tem todo o conforto e não valoriza”, comentou o professor.

Ajuda

Segundo a diretora do colégio onde eles estudam, Rosângela Maria Moisés, a internet na região entre as cidades sempre foi um problema, mas que após a passagem de um ciclone bomba, tudo ficou ainda pior.

“Os alunos já estavam enfrentando dificuldades para ter acesso às aulas remotas durante a pandemia e, depois disso [ciclone], aumentou o número de famílias prejudicadas. Os três [filhos de Edemilson] estão entre os mais de 300 que precisam estudar só com atividades impressas”, explicou.

Conforme a diretora, os três são muito queridos em toda a escola. Para ela e as duas assessoras que fazem o filtro da situação dos estudantes, é impossível não querer ajudar a família de alguma forma.

“Temos um carinho enorme pelos três, e também pelos outros estudantes, claro. Mas, cada aluno é especial para nós. Esse pai é muito guerreiro. É de cortar o coração ver pessoas que tem direito como qualquer outro, estarem nessa situação”, disse Rosângela.

A diretora contou que várias vezes tentou auxiliar a família, mesmo que pouco.

De acordo com Rosângela, certo dia, ela e as assessoras juntaram o dinheiro que tinham na carteira e compraram um chinelo, um tênis e um agasalho para Wellinton porque o chinelo que ele tinha ido para o colégio arrebentou.

“Uma das assessoras da escola estava no pátio, e o menino estava com o pé no chão, aí ela perguntou o motivo e ele disse que o chinelo tinha arrebentado. Ela veio falar comigo e nós duas começamos a chorar. Demos as coisas para ele, e o olho dele brilhava. Essa família vale ouro”, concluiu.

Fonte: G1 SC

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