Você consegue lembrar de alguma campanha de vacinação em que o Ministério da Saúde não estivesse envolvido? Paralisia infantil, sarampo, febre amarela, coqueluxe, HPV, influenza… Nenhuma operação de combate a doenças importantes em território brasileiro ocorre sem a coordenação do governo federal, que estipula metas, distribui imunizantes e orienta os protocolos a estados e municípios.
É assim desde a década de 1970, quando o governo criou o Programa Nacional de Imunizações, mais tarde fortalecido pela capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS), ambos modelos internacionais.
Mas na pior pandemia em um século, quando a experiência brasileira poderia salvar milhares de vidas, a contaminação ideológica das políticas de imunização contra o coronvírus desacreditou o Ministério da Saúde de tal forma que prefeitos catarinenses vêm-se na obrigação de buscar por conta própria acesso a vacinas contra a Covid-19.
O prefeito de Rodeio, Paulo Roberto Weiss, que preside a Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), está em contato com o governo paulista e o Instituto Butantan para tentar comprar doses da vacina Coronavac. O produto, de origem chinesa, é aquele abominado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por motivos que nada têm a ver com saúde.
O Brasil tem acordo com o laboratório Astrazeneca para comprar 100 milhões de doses da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. Se tudo der certo, a previsão é ter 30 milhões de doses à disposição até fevereiro. Como são necessárias duas doses, seria possível imunizar 15 milhões de pessoas de imediato.
O que os prefeitos de todo o país perguntam-se é: critérios técnicos serão obedecidos na distribuição das vacinas pelo governo federal? Quais estados receberão primeiro? A dependência de poucos fornecedores não tornará a operação lenta, prolongando restrições desgastantes? Sem o populismo sanitário, que desinforma e mata, nada disso estaria em discussão.
Do governo catarinense, também não se ouvem palavras de confiança. Por questões político-ideológicas, a governadora Daniela Reinehr (sem partido) acompanha em silêncio as polêmicas bolsonaristas e pouco age no esforço de posicionar Santa Catarina na corrida pela vacina. Adicione-se à destruição institucional a incerteza no comando do Estado, que deve retornar às mãos de Carlos Moisés (PSL) nos próximos dias.
Neste ambiente deteriorado, municípios buscam soluções contando com os próprios caixa e estrutura. Mas da voluntariedade nascem novas dúvidas: como seria a logística da vacinação sem a coordenação de um órgão superior? Quem vai responsabilizar-se pelo acondicionamento adequado das doses e a definição de critérios para vacinação? Cada prefeitura terá protocolo próprio? São questões que tendem a gerar insegurança na população — e mais desinformação. Bom para as clínicas particulares, que já se movimentam.
Na Revolta da Vacina de 2020, quem sabota o esforço de imunização é a própria institucionalidade.
FONTE: NSCTOTAL