Conforme a campanha de vacinação contra a Covid-19 torna-se uma possibilidade concreta no Brasil, especialistas e autoridades de saúde elevam o tom de preocupação com o relaxamento de medidas preventivas. Não somos exatamente um modelo de sociedade unida contra o coronavírus, mas se as pessoas que usam máscara, evitam ambientes fechados e aglomerações sentirem-se seguras a infringir as regras de convivência na pandemia, a espera pela imunização será dolorosa.
Em Santa Catarina, os níveis de transmissão da doença mantêm-se altos desde novembro passado. Mesmo regiões que haviam observado uma desaceleração no número de novos casos, como a Grande Florianópolis e o Médio Vale do Itajaí, neste início de 2021 percebem uma reversão da curva. E não está claro se as aglomerações do Natal e do Ano-Novo já estão contempladas nos números atuais.
Estudos científicos e a observação empírica dos erros e acertos dos últimos 10 meses de pandemia deveriam estimular o governo de Santa Catarina a interromper a “convivência com o vírus”. Há pelo menos três razões óbvias para que se decretem medidas restritivas agora com objetivo de reduzir a circulação do vírus no restante do ano.
Uma variante do Sars-Cov-2 identificada no Reino Unido tem maior capacidade de contagiar seres humanos, sugerem os primeiros estudos. Ela pode aumentar o número de doentes simultâneos, sobrecarregando ainda mais o sistema de saúde. Pesquisadores da África do Sul afirmam ter encontrado outra variante com características semelhantes.
As duas cepas novas já foram identificadas no Brasil. A britânica, em São Paulo e no Amazonas. A africana, na Bahia. Na prática, manter a circulação normal de pessoas em Santa Catarina agora significa dar oportunidade para que essas novas variantes espalhem-se pelo Estado.
Além disso, qualquer um que lembre das aulas de Ciências no Ensino Fundamental sabe que, quanto mais o vírus multiplica-se, maior a chance de ocorrerem mutações genéticas aleatórias perigosas à saúde humana. Se surgir uma cepa para a qual as vacinas já desenvolvidas não tenham eficácia, por exemplo, voltaríamos à estaca zero da pandemia. Os danos econômicos e sanitários seriam inimagináveis. Não vale a pena correr o risco.
A essa altura, todo catarinense conhece alguém que já sofreu consequências sérias em decorrência da Covid-19. Além dos mais de 5,5 mil mortos, há dezenas de milhares de pessoas que precisaram de atendimento hospitalar ou internação.
Chama atenção um estudo publicado na sexta-feira (8) pela revista científica The Lancet, uma das mais respeitadas do mundo na área de saúde. Cientistas chineses acompanharam 1.733 pacientes de Covid-19. Seis meses depois de receberem alta hospitalar, na província de Wuhan, 63% deles ainda sofriam de fraqueza muscular e cansaço, 26% relataram problemas de sono, 22% perda de cabelo e 23% sintomas de ansiedade e depressão. Quanto mais grave o quadro da doença, maior a probabilidade de sofrer por vários meses.
Médicos vêm observando coincidências entre pacientes que precisam de internação. A doença poderia agravar problemas neurológicos e cardíacos pré-existentes. Estudos mais conclusivos devem surgir no médio e longo prazo.
De qualquer forma, sabe-se o suficiente para que as autoridades evitem ao máximo novas infecções. A Covid-19 tende a provocar prejuízos à produtividade das pessoas e aos cofres do Estado, que precisará atender à demanda extra causada pelas sequelas.
É triste constatar que, 10 meses depois do início da pandemia em Santa Catarina, as vidas perdidas tornaram-se números frios. Ainda há quem negue a gravidade da doença e distorça dados para tentar equipará-la a outros males. Mas o fato é que há um excesso de mortes por síndrome respiratória em Santa Catarina sem outra explicação.
O que as autoridades chamam de “situação controlada” nas UTIs é, na verdade, uma enorme encomenda de óbitos causados por uma doença evitável. Estamos perdendo vidas, relações e capacidade produtiva. Ninguém ganha com a situação atual.
As medidas restrtivas de julho e agosto do ano passado, ainda que brandas e de curto prazo, foram capazes de reduzir a circulação do coronavírus a patamares bem inferiores aos atuais. Um freio de arrumação no mês de janeiro aumentaria a segurança da volta às aulas em fevereiro e permitiria que setores econômicos afetados pela pandemia planejassem 2021 sem o temor de novas quarentenas.
“Conviver com o vírus” até a chegada da vacina é uma estratégia ruim. Para a saúde e para a economia.
NSCTOTAL