Elisabeth Simão atua em uma escola de Indaial, onde deu vida a um projeto que transforma alunos graças a gentileza e dedicação da profissional
O que começou apenas como um projeto para melhorar o comportamento dos alunos em sala de aula tomou proporções que nem mesmo a professora Elisabeth Simão imaginava. Há 27 anos atuando em uma escola de Indaial, ela decidiu, recentemente, transformar o dia a dia da turma ao propor a “Lojinha do Sucesso”, onde as crianças ganham recompensas pelo cumprimento de algumas regras. A iniciativa, no entanto, surpreendeu a docente ao revelar o altruísmo dos estudantes desde cedo, provando, também, uma teoria a qual Elisabeth sempre acreditou: o poder da educação em mudar vidas.
Mesmo que tenha apenas 1,45 metro de altura, a professora Betinha — como é carinhosamente conhecida — carrega um coração bem maior do que ela. Apaixonada pela alfabetização, ela sempre buscou maneiras de tornar este processo mais fácil e menos duro para crianças, justamente por ser uma etapa importante no desenvolvimento de cada aluno.
Foi assim que ela deu vida ao projeto da Lojinha do Sucesso, em meados de 2022. A ideia surgiu depois que Elisabeth viu a iniciativa sendo aplicada por outra professora, em São Paulo, e percebeu que a iniciativa também poderia funcionar com os primeiros anos da escola Prefeito Germano Brandes Jr., onde trabalha há mais de duas décadas.
— Era uma turma mais agitada no primeiro mês, mas no segundo já passou por uma mudança bem radical. Os que eram mais “travessos” passaram a respeitar mais porque se empenhavam para adquirir a notinha verde. Afinal, quanto mais estrela verde eles ganharem, maior o valor que eles têm para poder comprar mercadorias na lojinha — conta a professora.
A metodologia é simples, mas um tanto criativa: no início do ano, Elisabeth entrega um calendário para cada criança, onde elas pintam estrelinhas nas cores verde, amarelo e vermelho, conforme as regras da sala. O verde representa o respeito a todas as regras, enquanto o amarelo é aplicado no caso de “infrações” moderadas. O vermelho, no entanto, é válido para atitudes mais graves, como quando há desrespeito com a professora ou os próprios colegas de sala.
Ao fim do dia, toda criança ganha uma das estrelas. Quando o mês termina, essas cores são substituídas por notas que servem como um dinheiro fictício, mas que podem ser trocadas por um brinquedo de verdade que compõe a Lojinha do Sucesso. O verde vale R$ 2 e o amarelo R$ 1. As mercadorias custam entre R$ 1 e R$ 45 e são todas adquiridas pela própria professora, o que gera um gasto mensal de aproximadamente R$ 300 para a profissional.
— No início eu tirava do meu bolso para comprar essas mercadorias para a lojinha, que seriam brinquedinhos, material escolar, esses apetrechos que as crianças gostam, né? E aí foi uma coisa que deu muito certo, muito certo mesmo, mudou a turma. Por isso eu comecei a fazer todo ano — explica a “profe” Betinha.
O resultado foi tão positivo que até alguns pais decidiram colaborar financeiramente com o projeto. Além disso, um dos objetivos da iniciativa é fortalecer o diálogo entre as famílias e os filhos, para que acompanhem mais a rotina escolar dos pequenos. De maneira alguma o projeto deve ser visto como uma forma de punir a criança, explica a professora. A finalidade é que os pais orientem os filhos para que reavaliem determinado comportamento e encontrem maneiras de melhorar enquanto ser humano, dia após dia.
— Dá bastante trabalho? Dá. Só que é algo tão prazeroso, as crianças ficam numa ansiedade para chegar ao final do mês e ter a lojinha. E aí tem aquelas crianças que economizam porque, além de trabalhar as regras da sala de aula, existe também a questão financeira. Tem crianças que economizam para comprar mais coisas no mês seguinte ou para comprar algo mais caro. Algumas, inclusive, compram para o irmãozinho ou para a mãe — conta.
No último mês, uma atitude generosa que partiu de uma aluna de apenas 6 anos comoveu a professora de extensa trajetória profissional. A menina havia conquistado uma quantia para gastar em mercadorias na lojinha, como de costume. Naquela ocasião, porém, ela abriu mão de um brinquedo que poderia comprar para si pois queria presentear o irmão, que faria aniversário no dia seguinte.
Assim, o dinheiro acabou sendo todo investido em um carrinho que seria entregue ao garoto, conforme o desejo da irmã. E foi dessa maneira que Elisabeth percebeu que, além de transformar o comportamento das crianças dentro da sala de aula, o projeto também tinha a força de mudar o cotidiano dos pequenos, seja despertando a empatia nos alunos ou oferecendo oportunidades às famílias que não teriam condições financeiras de comprar um brinquedo por conta própria.
— Começou por uma questão de melhorar o comportamento, mas ele abrangeu muitas outras coisas, como o lado humano, mesmo. De saber dividir sabe, de ver um item para cabelo e pensar na irmãzinha. Então é muito gostoso ver a direção que o projeto acabou tomando — ressalta a professora Betinha.
De onde vem tamanha dedicação?
Não é de hoje, porém, que a profissional de 48 anos se dedica a metodologias diferenciadas para transformar o dia de cada aluno. Todo início de ano, antes que as aulas comecem, ela tem um compromisso inadiável marcado na agenda: ir pessoalmente até a casa de cada futuro estudante para entregar uma cartinha de boas-vindas ao ensino fundamental.
Por não dirigir, o trajeto é feito a pé e, por vezes, leva um dia inteiro até que a missão seja cumprida com êxito, sem que se esqueça de ninguém.
— Eu mandava pelo correio, mas teve um ano que uma criança recebeu só um ano e meio depois a cartinha — conta, aos risos.
O segredo para tamanha motivação nem sequer precisaria de uma resposta, já que o amor pela educação está estampado, diariamente, em cada conduta gentil da professora indaialense. Ainda assim, ao refletir sobre o questionamento, Elisabeth faz questão de expor, em palavras, aquilo que incentiva ela a seguir em frente, ao mesmo tempo em que se entrega à emoção que a invade nesse momento.
— Olha, a gente passa muito perrengue enquanto professor. Mas eu sempre fui uma pessoa que acredita muito na educação. E a alfabetização, para mim, é a minha vida. E se eu não cativar essas crianças, não der amor, então é melhor eu procurar outra coisa para fazer. Não é aquela questão de trabalhar por amor, mas trabalhar com amor. Eu tenho que ser diferente — ressalta.
Prestes a se aposentar, Elisabeth não pensa, no entanto, em se afastar totalmente do universo escolar. Entre as possibilidades, a profissional ainda avalia se aventurar em aulas particulares, de reforço ou até trabalhar para oferecer apoio àqueles que estão começando nessa profissão tão desafiadora. O futuro ainda é incerto, mas ideias não faltam para suprir a saudade que virá durante o merecido descanso da docente.
— Depois de uma vida toda…talvez no começo eu descanse um pouco, mas não sei se eu aguento ficar muito tempo longe das crianças. Hoje, eu respiro a escola — ressalta.
Independente do caminho que ela seguir a partir de agora, o legado que deixou nesses 27 anos na educação servirão de inspiração para as próximas gerações de educadores e, certamente, não serão esquecidos por quem teve o privilégio de conviver ou ser aluno da “professora Betinha”.
NSC Total